22 janeiro 2009

As criações do Dragone

Tudo começou em 1985. Um encontro fortuito com o jovem Guy Laliberté levou Franco Dragone a dirigir um espectáculo de um pequeno grupo de artistas de circo chamados "Cirque du Soleil".
Primeiro impressionaram a crítica do Quebec (Canadá, de onde são oriundos) e depois começaram a conquistar o resto do mundo com o seu conceito de circo: não há palhaços, não há animais, nem sequer os entertainers que pedem palminhas. Para quem já viu algum espectáculo - eu felizmente tive essa oportunidade - este circo é uma fusão entre teatro clássico, acrobacias, musicais e pista de dança.
Com esta magia, a marca "Cirque du Soleil" chegou a situar-se no top 50 de marcas mais valiosas da análise da Interbrand e a empresa factura actualmente cerca de 480 milhões de euros por ano.
Há 2 anos atrás o director de marketing & vendas Europa, Shawn Kent, fez uma apresentação na conferência da APPM que nos deixou bastante claro que o CdS é uma empresa acima de tudo, claro que tem uma parte artística, a sua magia, mas o que conta é a estratégia que os fez tornarem-se tão grandes.

Obviamente que a grandeza é atingida com a qualidade do produto mas quantos produtos bons não se desenvolvem porque não têm qualquer estratégia de crescimento?


Franco Dragone foi director criativo do Cirque du Soleil de 1985 a 2000 e depois de sair fundou a produtora Les Creations du Dragone. Actualmente dedica-se a produzir espectáculos por encomenda como por exemplo, o de Celine Dion em Las Vegas ou uma série de shows para a Cutty Sark em Espanha.
Transcrevo uma entrevista sua que saiu na revista BrandLife (jornalista Marcus Hurst).

Como começou a colaborar com o Cirque du Soleil?
Estava em Montreal a visitar a minha namorada e entrei na casa de banho de um restaurante. Aí estava um autocolante com o número de telefone da Escola Nacional de Circo. Eu não tinha muitas referências de circo, o meu passado estava no teatro, mas tinha algum interesse por saber o que ensinavam. Telefonei e depois fui conhecer o director da Escola. Ele pediu-me para dar aulas e eu acabei por aceitar porque naquele momento era a desculpa perfeita para poder estar mais tempo com a minha namorada.

No ano seguinte dirigi um espectáculo na Escola. No público estava o Guy Laliberté, um jovem com 23 anos. Tinha-lhe gostado muito o espectáculo e acabámos por nos tornar amigos. Pouco depois pediu-me para ser director do Cirque du Soleil. Foi como uma espécie de amor à primeira vista. A primeira obra que fizémos era tão diferente que foi um choque para a comunidade de artistas do Quebec. A nossa associação durou mais de 15 anos.

Porque é que abandonou a companhia?
Com o CdS criámos escola, rompemos moldes. Quando saí no ano 2000, estava a precisar de uma pausa. Estava a reproduzir as mesmas fórmulas. Percebi que a maquinaria do CdS estava mais preocupada com os aspectos económicos, que são sem dúvida muito importantes, mas que prejudicavam a independência do processo criativo.

Começava a perder a sua alma?
Sim. Era isso que eu temia. Para mim nunca é uma questão de quanto dinheiro temos de ganhar. O mais importante é o que queres contar, o que queres criar. Se há alma por detrás, venderás muitos bilhetes. É óbvio que necessitas de uma máquina de marketing eficaz mas é preciso ser sincero. Tens de gerar emoção e respeitar a inteligência do espectador. Com o CdS estivémos na avant garde. Quando perdi essa sensação, o meu corpo pediu para sair.

A gestão de orçamentos enormes acaba por originar propostas mais conservadoras?
Não há uma regra geral. Há empresas, que até estão em bolsa, que assumem grandes riscos. Uma pessoa como o Steven Spielberg, por exemplo, não perdeu a sua alma. Ele aceita riscos todos os dias. O dinheiro não é a única coisa que origina uma atitude conservadora mas sim o medo de perder o que tens, o dinheiro, os orçamentos... isso sim é que faz que assumas menos riscos.

Como é que se inspira para os seus espectáculos? Literatura, cinema, o seu entorno...?
Há uma coisa que me motiva: tenho medo do vazio. Há um poema muito bonito de um poeta italiano que diz que Roma é a cidade barroca mais bonita do mundo porque está cheia de vida. Associa a vida a um lugar que está completamente cheio. É isso mesmo que alimenta e motiva a minha imaginação. Esse medo do vazio. Isso é o que me faz combinar foguetes e gigantes ao mesmo tempo!

A internet e as tecnologias interactivas influenciaram a maneira de conceber os seus espectáculos?
As novas tecnologias dão-me medo e ao mesmo tempo fascinam-me. Apesar de todos os avanços tecnológicos, o espectáculo mais complexo que fiz foi "O" e preparei-o como se estivesse a fazer um show qualquer com dois fósforos e um cartão. O que quero dizer é que não temo as novas tecnologias. A questão é como se utilizam, como se combinam. Estive há pouco tempo no estúdio da Dreamworks e vi autênticas maravilhas que gostaria de ter nas minhas obras...
Mas cuidado! Atrás de qualquer tecnologia tem sempre de existir a palavra e a poesia. Sem isso, é apenas uma soma de efeitos e uma acumulação de dinheiro. Nada mais.

Tem notado algum tipo de revolta contra a tecnologia? Há público que queira voltar às raízes deste tipo de espectáculos?
Acho que há coisas que estamos de facto a reavaliar. Estava a falar com o Guy (Laliberté) e comentei-lhe que no meu próximo espectáculo quero amplificar aquele som de quando a mão toca o trapézio. Quero que seja uma obra centrada na essência do espectáculo. Há que manter um equilíbrio. Se abusas da tecnologia, desaparece a poesia.