25 fevereiro 2009

Mecenas, Caius Mecenas

É curioso como surgem algumas palavras...
Em geral atribuimos muitas à lingua grega mas não é costume serem atribuidos a um nome grego!

Mal sabia este senhor que o seu nome se iria eternizar como o símbolo do patronato rico, generoso das artes. Que o papel de um Mecenas (que não obrigatoriamente grego) é tão importante para o mundo cultural!


Mecenas (Caius Maecenas) foi um cidadão romano da época imperial. Foi um grande político, estadista e patrono das letras. Administrou a fortuna da sua família que era rica (entre 74 a.C. e 64 a.C.) e foi um conselheiro hábil e de confiança de César Octaviano (Augustus). Este Imperador fez-se muitas vezes representar por Maecenas como seu tribuno, orador, patrono e amigo pessoal para várias missões políticas. Depois da reforma, devotou todos os seus esforços ao seu famoso círculo literário, que incluíu Horácio, Virgilio, e Propertius, patrocinando-os com bens materiais e protecção política.

Ser "um mecenas" foi expressão que foi ficando e que derivou depois para o substantivo "mecenato" que representa exactamente o que Caius Maecenas fez em vida...

19 fevereiro 2009

Havana Club, rum mecenas

Uma bebida alcoólica também pode ser um dinamizador de cultura.
Em Havana, capital de Cuba, existe um movimento cultural enorme, seja em museus, galerias, escolas, fábricas abandonadas ou cafés. A criatividade e a imaginação não se prendem a meios ou recursos: onde há espíritos artistas pode ser criada arte.

A bebida Havana Club pretende exactamente dar a conhecer ao mundo esta faceta cultural da sua cidade-natal.
É muitas vezes uma ligação que muitas marcas não sabem fazer, saber descobrir a Unique Selling Proposition baseado no próprio produto e daí criando uma vantagem comparativa que é diferenciadora e que não pode ser apropriada por mais nenhuma marca. Se este Rum é de Havana e isso é o que o diferencia porque não apostar na sua origem?
Nem sempre é preciso inventar a roda para vender um produto.

"Queremos dar a conhecer ao resto do mundo a realidade da arte cubana, uma imagem muito diferente à tradicional dos guias turísticos" refere François Renié, Director de Comunicação de Havana Club International .
E este é o segundo ponto da estratégia que faz a diferença: a marca poderia perfeitamente ter escolhido caras bonitas de Havana, as praias com água quente, até mesmo a imagem do Fidel Castro mas num raciocínio bem estruturado prefere entrar pelo mundo da cultura...

A cara do projecto é um site (www.havana-cultura.com), inteligentemente livre de muita marca - ninguém quer ver garrafinhas de Havana Club a passear no site - que serve de montra para mostrar todo o tipo de trabalho artístico de jovens locais com uma qualidade gráfica de excelência.

Depois disto, vêm obviamente as exposições das melhores obras em salas pelo mundo fora sempre com a alçada da marca. "É um dever e um prazer para Havana Club como empresa prommover a cultura do seu país de origem" indica Renié. "Ajuda a reforçar a sua origem cubana e autenticidade, representando valores muito positivos de criatividade, vitalidade, energia, comunicação, originalidade... E assim Havana Club converte-se numa marca mais atractiva para o público e mais interessante para líderes de opinião e meios de comunicação".

As marcas só têm a ganhar na aposta em cultura, sobretudo um ganho a longo-prazo na sua imagem perante os consumidores, e também um ganho em termos de orçamento porque estaremos sempre a falar em valores muito abaixo do que se paga pela comunicação convencional. O problema é que nos dias de hoje o longo-prazo é longo demais...

18 fevereiro 2009

"Skins" - série de televisão

Uma série de televisão já não é só um programa de 40 minutos que é transmitido semanalmente por um canal qualquer. As séries têm tomado uma importância ultimamente que está ao nível do cinema: a ficção de televisão é tão poderosa, variada e rica como toda a indústria de Hollywood... Ou até podemos dizer que é o próprio Hollywood que quer fazer parte disto para não perder o comboio...

E o canal britânico E4 foi o primeiro a lembrar-se de uma coisa muito simples: as pessoas quando vêm uma série estão em casa. E estar em casa hoje em dia para um target jovem significa estar em constante multi-tasking. Têm a televisão acesa, estão no computador, metidos no messenger ou no Hi5, ouvem música, enviam sms e ainda terão uma revista no sofá à espera de ser desfolhada.

Assim que, no lançamento da 3ª temporada de "Skins", uma série para adolescentes que relata a vida de um grupo de estudantes de secundária de Bristol e a sua relação com as drogas, o sexo, os adultos e entre eles mesmos, o canal E4 utilizou a plataforma do Messenger para se aproximar ainda mais do target. Se acrescentarmos o endereço skinsmessenger@e4.com aos nossos contactos do Messenger, enquanto a série passa na televisão, começamos a receber informação adicional sobre a mesma. Chegam-nos mensagens com dados sobre o que se está a passar, com conteúdos extra e links para entrevistas com os actores ou cenas novas que não vão passar no formato convencional.

Para além disso, e porque a ligação no Messenger está sempre activa, vamos recebendo algumas mensagens como o horário do próximo episódio, antevisões de próximos episódios, links para vermos episódios antigos e tudo aquilo que a produção se possa lembrar!

Se dermos um salto à página oficial (http://www.e4.com/skins/) vemos que não só de Messenger se serve esta série, está presente no MySpace, Bebo, Twitter e Facebook, os grandes "centros de comunicação" dos nossos dias.

A televisão reinventa-se para sobreviver com um dos provérbios mais antigos que eu conheço: "se não podes vencê-los, junta-te a eles".

17 fevereiro 2009

Matadero Madrid (Parte 2)

Análise ao modelo geral de ajudas à criação 2008 do Matadero Madrid:

Uma das apostas mais importantes do Matadero é o programa de apoio à criação artística e ao pensamento contemporâneo, potenciando a sua difusão e aproximação aos cidadãos, que centraliza todo o orçamento cultural do Ayuntamiento. No total são 355.000€ distribuídos em três programas:

A) Programa de espaços e agentes culturais independentes - Destinado a espaços permanentes bem como a agentes culturais (dotação máxima por projecto de 30.000€)

B) Programa de criadores - Destinado à produção de obras de criadores individuais e colectivos, projectos com carácter inovador e actividades com fundamentos e conteúdos de livre escolha (máx. 15.000€)

C) Programa Matadero Madrid - Destinado a projectos e/ou actividades que deverão desenvolver-se nos espaços e instituições activas no Matadero Madrid (máx. 18.000€)

O Matadero gere também as Ajudas à Mobilidade Internacional de Criadores implicados na criação artística madrilenha para a ampliação de estudos, a investigação, e a realização, produção e desenvolvimento de projectos de criação no exterior. O valor total é de 150.000€ com um limite máximo por beneficiário de 12.000€.

O montante destas subvenções, que pode parecer elevado a uma maioria de cidadãos, é no final bastante ridículo se o compararmos com muitas outras que recebem diversas empresas, indústrias ou clubes desportivos. Para além disso é um montante que, ao ser dividido por tantos criadores, acaba por ser utilizado para cobrir os custos de produção deixando de lado uma parte tão importante como a comunicação. De que nos vale uma obra de arte magnífica se ninguém sabe onde está exposta?


Análise de um dos projectos subvencionados:

LA ENANA MARRON é uma sala independente de exibição de programas que incluem obras singulares de artistas plásticos, cineastas e video-artistas, aberta desde 1999. Este auditório, com capacidade para 70 pessoas, consagrado ao cinema de autor, inédito e em vários formatos (super 8, 16mm e 32mm), encontra-se no bairro de Malasaña. A programação centra-se em curtas e largas-metragens experimentais, independentes e minoritárias, algumas vistas em pequenos festivais de muitos lugares do mundo normalmente inacessíveis em Espanha.
Nesse sentido, La Enana Marrón é a única sala de Madrid que oferece uma programação estável de obras com estas características.
Programa-se filmes de um marcado valor pessoal, às vezes artesanais, fora dos circuitos comerciais e com poucas possibilidades de se aproximarem de um público que existe. Alem do mais, tentam romper com o modelo clássico de sala de projecção, através de um intercâmbio directo do espectador com alguém vinculado à obra apresentada (programador, realizador, crítico ou actor): “As conversas-colóquios depois das projecções e performances que envolvem o cinema, são as nossas propostas para tentar romper com o molde clássico de sala de projecções, onde uma pessoa vem, vê e vá.”

No mês de Janeiro esteve em cartaz o Festival de Cinema Independente de Barcelona “L'alternativa”, constituído como uma plataforma de exibição de um cinema que normalmente tem difícil acesso às salas pelo seu carácter criativo. No total foram projectadas 24 filmes de diferentes criadores que supõem uma mostra do que está na moda actualmente no mundo do audiovisual contemporâneo, todos inéditos em Espanha.
No total têm 6 patrocinadores:
:: Comunidade de Madrid – Matadero
:: Ministério de Educação, Cultura e Desporto – Secretaria de Estado de Cultura
:: Festival de Cinema Independiente de Barcelona “L'Alternativa” (projecto apoiado pelo Estado)
:: Independent Film Network (também apoiado pelo Estado)
:: ConceptoWeb (para a gestão do site)
:: Kinova – Pós-produção e Títulos (parte técnica e logística)

A existência deste projecto é totalmente dependente da política pública de apoio às artes. Ainda que todas as actividades sejam a pagar, e exista a possibilidade de ser sócio do cinema, as receitas não cobririam os gastos que supôem o seu funcionamento.
Deparamo-nos com a existência de subvenções aos 2 niveis comentados anteriormente, nacional através do Ministério e local, através da Comunidade.

No meu ponto de vista, a subvenção aqui é imprescíndivel porque se trata de permitir o acesso a bens culturais que não estariam disponíveis de outra forma. É a única maneira de ampliar o espectro cultural nesta área, com a vantagem de poder aproveitar toda uma rede internacional que já existe para o intercâmbio deste tipo de conteúdos.

Tendo em conta que o funcionamento do espaço seguirá com a sua coerente definição de linhas de programação e com o seu público definido, deveriam-se procurar caminhos de sustentabilidade:
:: mais comunicação em media que esteja em linha com o estilo de consumidor
:: utilização da sala todos os días (e não só 3 noites por semana) – eventualmente com outro estilo de programação
:: procurar cooperação com outros festivais internacionais
:: criação de associações para a venda directa de bens complementares (ex. livros, DVD's)
:: apoio a obras de realizadores de Madrid – criar o seu próprio Centro de Artes

Matadero Madrid (Parte 1)

"Este projecto é um dos mais ambiciosos, importantes e transformadores, dos de maior envergadura realizados em Madrid" que nasce com a aspiração de se converter num "recinto insólito, amável, de entrada livre e gratuita", assim apresentou em 2006 o Alcaide de Madrid, Alberto Ruiz-Gallardón, esta iniciativa que abarca uma área total de 148.300m2, reaproveitando as antigas instalações do Matadouro da Arganzuela. O Matadero Madrid nascia com a ambição de se converter nos seguintes cinco anos num centro cultural de vanguarda, no qual o Ayuntamiento e as instituições públicas e privadas investirão 110 milhões de euros entre 2006 e 2011.


O intervencionismo do sector público como garante do acesso à Cultura:

Se dedicamos um momento às contas do projecto, verificamos o grau de intervencionismo necessário para seguir em frente com uma obra destas: dos mais de 110 milhões de euros que se destinarão até ao ano 2011, 75% sairá do Ayuntamiento e os restantes 25% serão aportados pelas instituições públicas e privadas que cooperam neste projecto, que compatibilizará o seu uso cultural com o processo de re-habilitação (INAEM, Comunidade de Madrid, IFEMA, Fundación Germán Sánchez Ruipérez e a empresa concessionária do Estacionamento).

O sector público cumpre o seu papel de criar as infra-estructuras básicas, mantendo-as sob o seu controlo e fomentando directamente a criação e produção de arte.
Contudo, na construção do Matadero cabem outros organismos que não exclusivamente públicos.

O intervencionismo (tal como o liberalismo) são pontos extremos do que passa na realidade: a constituição espanhola tem uma margem de flexibilidade para que se adoptem diversas políticas, e, de acordo com o projecto, as percentagens de financiação do sector público e privado mudam significativamente.
Ainda que acredite que o sector público terá sempre de estar presente no apoio à cultura, os projectos têm de ser encarados cada vez mais através de um conceito de sustentabilidade, ou seja, ainda que o Estado esteja presente, têm que procurar financiação própria do consumidor ou do sector privado para seguir em funcionamento.

Em Espanha, depois do que era absolutamente necessário fazer a nível cultural no período pós-franquista e de toda a crição de infra-estructuras nas décadas de 90 e 2000, o Estado ir-se-á retirando de numerosos âmbitos relacionados com a Cultura, deixando livre o caminho para o avanço do sector privado, que se espera agora mais activo culturalmente.


Relação entre os poderes nacionais e locais:

No quadro actual de divisão de competências, hoje em dia são as Comunidades Autónomas e os Ayuntamientos quem mais decide a política cultural espanhola. O Matadero é o exemplo perfeito da importância desta divisão.
Se a vemos pelo ponto de vista orçamental e capacidade de obra, esta divisão favorece as grandes cidades pela maior capacidade financeira que têm. Uma obra “faraónica” como o Matadero só poderia ser executada numa cidade como Madrid.
Por outro lado, ao ter flexibilidade local, cada Comunidade ou Ayuntamiento pode decidir a sua política cultural mais de acordo com o seu contexto social e geográfico, permitindo uma melhor adaptação ao seu entorno. O Matadero Madrid, de novo como exemplo, serve propósitos eminentemente locais: será o vértice de um triângulo formado pelos outros dois centros culturais metropolitanos postos em marcha (Conde Duque, dedicado à memória, e o Palácio de Comunicações, dedicado a Madrid).


O projecto: a sua importância urbanística e cultural

Outra questão importante neste projecto é a sua relevância urbanística: é "muito mais que um projecto arquitectónico" ao envolver a recuperação das ribeiras do rio Manzanares e todo o espaço urbano do sul de Madrid.
Nos dias que correm, as grandes infra-estructuras culturais servem como bandeira de uma recuperação arquitectónica, social e turística sobretudo desde o “efeito Guggenheim”. No caso do Matadero, pode até acrescentar-se que as instalações já eram de referência para a cidade, com a sua própria espectacularidade, sem existir uma necessidade de fazer algo com a assinatura de algum arquitecto-estrela.

Em termos de actividades o carácter do Matadero é totalmente multidisciplinar, nele convivem as artes plásticas, cénicas e visuais, a literatura, a música, o design e a arquitectura. Para além disso, promove o diálogo entre artistas e de estes com o público e com a cidade.
A ideia é funcionar como um grande laboratório de criação contemporânea, convertendo-se na referência para a comunidade artística e para o grande público, para a cidade e os seus turistas, para a imagem de uma urbe moderna e na vanguarda das tendências.


A sobrevivência do Matadero a longo prazo:

O modelo do Matadero não é particularmente diferenciador versus os Centros de Arte Contemporânea existentes, o que sim é diferenciador é a grandeza das suas instalações, a multitude de artes agrupadas debaixo do mesmo tecto, a capacidade orçamental e o apoio total do Ayuntamiento de Madrid. O facto de ser a pérola cultural do actual Alcaide e de servir como centralizador da sua política cultural, dá-lhe uma vantagem importante para a sua afirmação na cena cultural.

A prova de fogo para o Matadero virá com cada ano que passa: o importante é que mantenha um programa continuado e coerente de actividades, que mantenha a sua implicação com a cidade.
Noutros projectos emblemáticos (de outras cidades) chegou-se ao descuido: depois do mérito de se ter conseguido realizar a infra-estructura (faraónica ou não...), a falta de dinamização de acordo com a dimensão e ambição do projecto leva a que se transforme no típico lugar que todos dizem que é espectacular, mas ninguém sabe muito bem para que serve ou o que é que se organiza aí.

No mundo da cultura-espectáculo a forma costuma ser mais importante do que o conteúdo no curto-prazo, mas a diferença entre os grandes projectos e os medíocres no longo-prazo será sempre vista através do seu conteúdo.