31 março 2009

Carrilho e a Política Cultural

Na semana passada o mundo político português agitou-se ligeiramente por causa de opiniões divergentes sobre a política cultural nacional. A mim parece-me positivo, não pelo que se disse nem pela constatação do cenário actual, mas sim pelo simples facto de colocarmos o assunto "cultura" na agenda política.

Transcrevo o artigo do Expresso de 21 de Março:


O antigo ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, quebrou o silêncio de quase uma década sobre a área que tutelou entre 1995 e 2000 e tece duras críticas à política cultural do actual Executivo.

Num documento enviado a António Vitorino, que preside à Fundação Res Publica, a que o Expresso teve acesso, o actual embaixador português na UNESCO lamenta que a política cultural se tenha tornado "cada vez mais invisível, ilegível e incompreensível, ameaçando fazer dos anos 2005/2009 uma legislatura perdida para a cultura" e sugere que "a Fundação Res Publica (ou o fórum Novas Fronteiras), retomando o espírito dos Estados Gerais - isto é, um espírito de real abertura e de efectivo debate -, abra uma ampla discussão sobre a situação e o futuro das políticas culturais em Portugal, com a intenção de as refundar".

"A cultura pode dar uma importante contribuição na resposta à crise que o país atravessa", sustenta Manuel Maria Carrilho, sublinhando que a cultura é "parte do património do PS" que importa "manter, renovar, valorizar". A crise indesmentível que atravessamos "de modo algum justifica" - no seu diagnóstico sem paliativos - "seja o estado de abandono a que a cultura tem sido votada, seja o desinvestimento de que tem sido objecto e que pode provocar - e enfatizo este ponto, uma vez que se trata de uma ameaça real - danos irreversíveis".

Citando o antigo ministro das Finanças de Sócrates, Luís Campos e Cunha, e vários estudos da União Europeia, Carrilho defende a valorização do contributo da cultura e da criação "no PIB, no emprego, na coesão, na competitividade. Não reconhecer isto é, hoje, de uma cegueira tragicamente irresponsável". E propõe: que o PS garanta a efectiva progressão do orçamento para a Cultura até ao 1% do Orçamento do Estado que já prometia António Guterres em 1995; e que "reformule a administração dos sectores fundamentais". "É urgente mudar", conclui, aconselhando o PS a "assumir com verdade o balanço do período que agora termina e prometer mais e melhor" para o futuro.

O regresso de Carrilho à cultura, ainda que apenas através de um texto para discussão interna no PS, foi saudado por vários protagonistas culturais contactados pelo Expresso.

"Recolocar a cultura no mapa político é romper o silêncio. E vozes rebeldes são muito bem-vindas", diz Pedro Abrunhosa, demolidor na qualificação do estado actual de coisas, não apenas na cultura mas na política nacional em geral: "Isto é um quarto vazio, sem portas, nem janelas, nem brechas", afirma o músico portuense. Comparável aos tempos de Cavaco? "Pior, porque nessa altura havia oposição. Agora não há".

Ricardo Pais, antigo director do Teatro Nacional S. João, aplaude o facto de alguém com o peso político de Carrilho "pôr o dedo na ferida, chamar a atenção para as responsabilidades tremendas deste Governo no estado da cultura". Que é, afirma, "lastimoso", de "um vazio absolutamente impensável". Recordando António Guterres como "um homem superiormente culto, ainda que pusilânime", vê em Sócrates "o negativo" de Guterres.

O cineasta João Mário Grilo é igualmente crítico da política cultural deste Governo: "O que tem acontecido é uma não-política - o que é um acto performativo politicamente, produz resultados. E os resultados têm sido dramáticos". Grilo fala de "marasmo absoluto, falta de dinamismo, só compreensível se se quiser liquidar a cultura". Neste contexto, acrescenta, a reflexão proposta por Carrilho é "absolutamente imprescindível".

Também a antiga directora-geral dos Museus Raquel Henriques da Silva saúda a iniciativa do ex-ministro. "Um dos maiores problemas da cultura é a falta de vozes políticas". O actual ministro, José António Pinto Ribeiro, merece-lhe todas as reservas: "Revelou-se fraquíssimo". A professora regista ainda a "desorçamentação brutal" da cultura para concluir que estamos a ir em sentido contrário ao do resto da Europa. "A cultura é geradora de dinâmicas sociais positivas", conclui, numa posição de resto comum a todos os agentes culturais ouvidos pelo Expresso.

Paulo Ribeiro, director artístico da companhia de bailado com o seu nome (que actua no Teatro Viriato, em Viseu), fala da cultura como forma de combate à crise de modo entusiástico: "A forma como a cultura pode dinamizar um país tem um retorno absoluto, por completo, nunca se perde dinheiro". E acrescenta: "O momento é perfeito para que isto seja pensado e debatido e sejam tomados compromissos".


Mas não nos fiquemos por aqui. Já em Fevereiro falava sobre a política cultural europeia (agora um artigo da Lusa de 4 de Fevereiro):

Manuel Maria Carrilho considerou, esta manhã, que "a Europa é uma desilusão do ponto de vista cultural", referindo-se ao orçamento de "400 milhões de euros, divididos por 27 países, por sete anos" atribuído pela União Europeia para a cultura.

O actual embaixador de Portugal na UNESCO falava durante o debate "Estado e Sociedade Civil na Cultura", inserido no Fórum Cultura e Criatividade 09, a decorrer na Exponor, Matosinhos, no qual explicou que "é preciso recolocar na agenda política o um por cento (do orçamento) para a cultura".

Carrilho referiu que "o momento que hoje vivemos é adequado para repensar as políticas culturais" e que a sua actualização passa pela "articulação com as políticas de desenvolvimento do País".

Uma nova política cultural deverá, para Carrilho, assentar em dois eixos: as responsabilidades estruturais - "um papel que deve ser assumido pelo estado" - e as responsabilidades estratégicas - "que têm a ver com o apoio às artes em todos os domínios da criação".

"Só com estes dois níveis estruturados é que a indústria criativa pode funcionar", destacou.

Quanto às responsabilidades estruturais, Carrilho lembrou que esta é "a responsabilidade que o Estado tem junto de várias instituições e que se esquece", como são os casos "da biblioteca nacional, Torre do Tombo, Teatros Nacionais, Cinemateca".

"São responsabilidades do Estado, que o Estado tem de assumir", frisou, acrescentando que "não há redes de amigos, parcerias ou mecenatos que possam suprir essa incontornável responsabilidade do Estado".

O antigo ministro da Cultura referiu também a necessidade de uma maior qualificação quer de instituições quer de pessoas, a qual, se colocada "como desígnio estratégico no centro da ambição política, é um passo que nos podia ajudar a sair da crise".

E vendo bem, que formação avançada há em Portugal para os agentes culturais? Não falo de artistas porque aí seria uma área quase diferente, penso sobretudo nas pessoas que têm de fazer andar este sector para a frente nos domínios de gestão...
Um´dos problemas endógenos das empresas e instituições culturais é a incapacidade de visão estratégica e administrativa.
E para isso é necessário investir em formação e depois apostar nessas pessoas!

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