17 fevereiro 2009

Matadero Madrid (Parte 1)

"Este projecto é um dos mais ambiciosos, importantes e transformadores, dos de maior envergadura realizados em Madrid" que nasce com a aspiração de se converter num "recinto insólito, amável, de entrada livre e gratuita", assim apresentou em 2006 o Alcaide de Madrid, Alberto Ruiz-Gallardón, esta iniciativa que abarca uma área total de 148.300m2, reaproveitando as antigas instalações do Matadouro da Arganzuela. O Matadero Madrid nascia com a ambição de se converter nos seguintes cinco anos num centro cultural de vanguarda, no qual o Ayuntamiento e as instituições públicas e privadas investirão 110 milhões de euros entre 2006 e 2011.


O intervencionismo do sector público como garante do acesso à Cultura:

Se dedicamos um momento às contas do projecto, verificamos o grau de intervencionismo necessário para seguir em frente com uma obra destas: dos mais de 110 milhões de euros que se destinarão até ao ano 2011, 75% sairá do Ayuntamiento e os restantes 25% serão aportados pelas instituições públicas e privadas que cooperam neste projecto, que compatibilizará o seu uso cultural com o processo de re-habilitação (INAEM, Comunidade de Madrid, IFEMA, Fundación Germán Sánchez Ruipérez e a empresa concessionária do Estacionamento).

O sector público cumpre o seu papel de criar as infra-estructuras básicas, mantendo-as sob o seu controlo e fomentando directamente a criação e produção de arte.
Contudo, na construção do Matadero cabem outros organismos que não exclusivamente públicos.

O intervencionismo (tal como o liberalismo) são pontos extremos do que passa na realidade: a constituição espanhola tem uma margem de flexibilidade para que se adoptem diversas políticas, e, de acordo com o projecto, as percentagens de financiação do sector público e privado mudam significativamente.
Ainda que acredite que o sector público terá sempre de estar presente no apoio à cultura, os projectos têm de ser encarados cada vez mais através de um conceito de sustentabilidade, ou seja, ainda que o Estado esteja presente, têm que procurar financiação própria do consumidor ou do sector privado para seguir em funcionamento.

Em Espanha, depois do que era absolutamente necessário fazer a nível cultural no período pós-franquista e de toda a crição de infra-estructuras nas décadas de 90 e 2000, o Estado ir-se-á retirando de numerosos âmbitos relacionados com a Cultura, deixando livre o caminho para o avanço do sector privado, que se espera agora mais activo culturalmente.


Relação entre os poderes nacionais e locais:

No quadro actual de divisão de competências, hoje em dia são as Comunidades Autónomas e os Ayuntamientos quem mais decide a política cultural espanhola. O Matadero é o exemplo perfeito da importância desta divisão.
Se a vemos pelo ponto de vista orçamental e capacidade de obra, esta divisão favorece as grandes cidades pela maior capacidade financeira que têm. Uma obra “faraónica” como o Matadero só poderia ser executada numa cidade como Madrid.
Por outro lado, ao ter flexibilidade local, cada Comunidade ou Ayuntamiento pode decidir a sua política cultural mais de acordo com o seu contexto social e geográfico, permitindo uma melhor adaptação ao seu entorno. O Matadero Madrid, de novo como exemplo, serve propósitos eminentemente locais: será o vértice de um triângulo formado pelos outros dois centros culturais metropolitanos postos em marcha (Conde Duque, dedicado à memória, e o Palácio de Comunicações, dedicado a Madrid).


O projecto: a sua importância urbanística e cultural

Outra questão importante neste projecto é a sua relevância urbanística: é "muito mais que um projecto arquitectónico" ao envolver a recuperação das ribeiras do rio Manzanares e todo o espaço urbano do sul de Madrid.
Nos dias que correm, as grandes infra-estructuras culturais servem como bandeira de uma recuperação arquitectónica, social e turística sobretudo desde o “efeito Guggenheim”. No caso do Matadero, pode até acrescentar-se que as instalações já eram de referência para a cidade, com a sua própria espectacularidade, sem existir uma necessidade de fazer algo com a assinatura de algum arquitecto-estrela.

Em termos de actividades o carácter do Matadero é totalmente multidisciplinar, nele convivem as artes plásticas, cénicas e visuais, a literatura, a música, o design e a arquitectura. Para além disso, promove o diálogo entre artistas e de estes com o público e com a cidade.
A ideia é funcionar como um grande laboratório de criação contemporânea, convertendo-se na referência para a comunidade artística e para o grande público, para a cidade e os seus turistas, para a imagem de uma urbe moderna e na vanguarda das tendências.


A sobrevivência do Matadero a longo prazo:

O modelo do Matadero não é particularmente diferenciador versus os Centros de Arte Contemporânea existentes, o que sim é diferenciador é a grandeza das suas instalações, a multitude de artes agrupadas debaixo do mesmo tecto, a capacidade orçamental e o apoio total do Ayuntamiento de Madrid. O facto de ser a pérola cultural do actual Alcaide e de servir como centralizador da sua política cultural, dá-lhe uma vantagem importante para a sua afirmação na cena cultural.

A prova de fogo para o Matadero virá com cada ano que passa: o importante é que mantenha um programa continuado e coerente de actividades, que mantenha a sua implicação com a cidade.
Noutros projectos emblemáticos (de outras cidades) chegou-se ao descuido: depois do mérito de se ter conseguido realizar a infra-estructura (faraónica ou não...), a falta de dinamização de acordo com a dimensão e ambição do projecto leva a que se transforme no típico lugar que todos dizem que é espectacular, mas ninguém sabe muito bem para que serve ou o que é que se organiza aí.

No mundo da cultura-espectáculo a forma costuma ser mais importante do que o conteúdo no curto-prazo, mas a diferença entre os grandes projectos e os medíocres no longo-prazo será sempre vista através do seu conteúdo.

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